Ayrton Senna da Silva é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores ídolos brasileiros de todos os tempos. Faz todo sentido que a Netflix, casa da série documental Drive to Survive, que acompanha a Fórmula 1 anualmente, produza uma minissérie sobre um dos nomes mais emblemáticos do automobilismo.
Assim nasce a minissérie Senna, que narra os principais pontos da vida do piloto em seis enxutos episódios. Criada por Vicente Amorim, a produção tem como atrativos as cenas de tirar o fôlego nas pistas; o respeito ao caráter multicultural do universo representado, com atores de diversos países falando diferentes idiomas; o protagonismo de Gabriel Leone, que é carismático e envolvente, nos faz amar seu personagem; e uma abordagem dos anos anteriores à F1 — um grande diferencial, já que a partir do momento que Senna ingressa na equipe Toleman, o que vemos em cena é muito parecido com o que já foi retratado no documentário sobre o piloto feito em 2010 por Asif Kapadia.
O méritos da minissérie da Netflix, entretanto, não vão muito além disso. Apesar de tecnicamente deslumbrante, a atração é narrativamente fraca. O piloto retratado até podia ser ousado dentro das pistas, mas sua família busca esterilizar sua imagem fora delas, fazendo com que o trabalho, com sua bênção, não passe de perfumaria.
Além de fugir de pontos espinhosos, como as muitas brigas e o fanatismo religioso de Senna e a descarada homofobia de Nelson Piquet — sim, muito antes de Lewis Hamilton ser vítima do preconceito do asqueroso Piquet, Senna também foi —, o roteiro tem algumas passagens vergonhosas onde são ditas frases de efeito, como quando o protagonista reforça que ela não era um piloto, ele é.
A tentativa da produção de ser mais inclusiva tem efeito contrário: só reforça o quanto o mundo da Fórmula 1 é elitista, machista, racista.
Para que houvesse alguma mulher na produção sem ser parente ou par romântico de Senna, inventaram uma jornalista chamada Laura Harrison (Kaya Scodelario), que tem um arco narrativo entre o sofrível e o inexistente.
Já as pessoas negras retratadas são meros torcedores nas periferias do Brasil. É triste ver um ator tão potente quanto Christian Malheiros ser um mero ninguém — muito revelador também, já que negros são completamente apagados deste esporte até a chegada de Hamilton. Percebam que é a segunda vez que cito o esportista britânico. E não será a última.
A minissérie de Amorim também força um pouco a barra ao querer trazer como pano de fundo a redemocratização, como se ela e Senna tivessem de mãos dadas. A verdade é que o piloto brasileiro é o herói brasileiro perfeito para as elites: neutro, gosta de fazer caridade, mas não luta por justiça social e mudanças reais no status quo.
Senna batalhou muito para chegar onde chegou, isso é fato. Também é fato de que veio de uma família privilegiada — que hoje joga seu nome no lixo nomeando prédio em Balneário Camboriú.
Se o piloto tivesse uma origem realmente humilde, é bem provável que nunca nem teria pisado num kart.
Todavia, a realidade não é preto e branca, tem áreas cinzas. O simples fato de Senna ser brasileiro fez dele alvo de uma política discriminatória na Fórmula 1, que, antes de ser um esporte, é um negócio e tem muita política envolvida.
Décadas se passaram e é frustrante ver que a realidade da F1 é praticamente a mesma — eu disse que citaria novamente Hamilton. Aqui vai: ele tem oito títulos mundiais, não sete. A FIA roubou sua consagração como maior vitorioso de todos os tempos e deu o título nas mãos do Verstappen em 2021.
No fim das contas, a minissérie da Netflix é mais interessante como ponto de partida para várias discussões sobre nossa sociedade do que como homenagem ao piloto brasileiro.
Entre Xuxa e Adriane Galisteu, eu fico com uma história feita para quebrar paradigmas — e não para ser exibida em festa de fim de ano regada a champanhe em Angra dos Reis.
Nota (0-10): 4
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