Crítica Fellow Travelers: bolsonarismo dos anos 1950

Os comunistas como inimigos máximos que devem ser combatidos a qualquer custo e a população queer como desviantes a serem banidos dos espaços públicos. O bolsonarismo que vivemos hoje é muitas coisas, como cruel, hipócrita e burro, mas certamente não é uma: original.

A cartilha de Steve Bannon pode parecer moderna por conter o elemento recente das redes sociais. Não passa da História se repetindo, como sempre, cada vez mais e mais empoeirada.

O que Trump e seus asseclas norte-americanos e dos outros cantos do mundo gritam agora não passa de um eco. Um bom exemplo é a atuação do senador Joseph McCarthy, nos anos de 1950. Sua perseguição levada a cabo também por Roy Cohn e David Schine teve até um nome: macarthismo.

Nesse período nefasto de caça às bruxas é que começa a história de Fellow Travelers, minissérie criada por Ron Nyswaner com base no livro homônimo de Thomas Mallon. Os protagonistas são Hawkins Fuller e Tim Laughlin, interpretados respectivamente por Matt Bomer e Jonathan Bailey.

Os dois homens se conhecem na noite de eleição do primeiro mandato do presidente Dwight David Eisenhower. Foi atração instantânea. Logo iniciariam uma conflituosa história de amor que durou décadas e podemos ao ver ao longo dos 8 episódios da produção televisiva.

Ainda que os protagonistas não sejam pessoas reais, seus dramas facilmente podem ser encarados como a amálgama de tantas vidas afetadas por uma guerra interna contra qualquer um que não siga com exatidão a cartilha do cidadão de bem.

O que de melhor há na atração é essa mistura entre fatos históricos e a ficção. A produção também acerta muito ao trazer uma forte dinâmica de poder ao sexo.

Enquanto ex-militar, bem sei que a queerfobia tem camadas. Um dia, um colega falou para mim que “não tem problema gostar de comer um cu”. Ou seja, na visão dos preconceituosos é diferente ser ativo ou passivo. Hawk, um veterano condecorado, fala com orgulho nunca ter sido penetrado — ainda que isso seja uma mentira.

Para além disso, há toda uma ferocidade no ato sexual. Você não está transando com alguém, você está subjugando essa pessoa ao ser poder. Isso só muda quando Tim passa pelo exército também. Ao voltar, ele não é mais um menino, virara um homem. Nesse momento, Hawk quer que ele seja o seu homem.

Essa entrega na cama significado muito mais. Hawk, casado e com a esposa grávida, não consegue negar o quanto ama Tim. A resposta para sentimento tão avassalador? A fuga.

Essas idas e vindas de quem desesperadamente ama e não consegue viver plenamente esse amor são interrompidas pela epidemia de aids, no qual gays foram jogados a sua própria sorte por um governo conservador.

Assim como muitas pessoas negras já tiveram sua dose de sofrimento preenchida assistindo a produções que retratam a época da escravidão, eu confesso estar pouco inclinado a ver dramas gays que lembram um período de tanta morte e dor. Até hoje sentimos os efeitos dessa tragédia — e como queer não tem sossego, o medo de contrair HIV está sendo suplantado pelo de sofrer com as mudanças climáticas.

Ainda que a devastadora década de 1980 seja mais do mesmo, a série acerta e nos sensibiliza. O caminho até ali, todavia, tem tropeços.

Eu queria muito dizer o contrário, mas não gostei da atuação de Bailey. O seu tom parece acertado, mas o roteiro e a direção não ajudam em nada e fazem alguns momentos serem caricatos, como quando ele sai caminhando na beira da estrada furioso durante uma viagem.

Não há o que reclamar de Bomer, mas convenhamos que ele naturalmente já é essa pessoa sedutora, algo que vimos em White Collar, por exemplo. O ator só tem chance de mostrar a que veio nos poucos momentos de vulnerabilidade do personagem.

Ainda temos o casal de coadjuvantes. Os atores Jelani Alladin e Noah J. Ricketts estão bem nos papéis de Marcus e Frankie, um jornalista e uma drag queen que se apaixonam. Esse arco é tão bom e tão importante que levanta a questão: por que não ter uma série própria?

Recentemente, também vimos em Lessons in Chemistry uma coadjuvante negra com uma história própria tão impactante quanto a da pessoa branca protagonista. Poderiam dar a essas pessoas suas próprias atrações.

Quem também teve brilho próprio diminuído foi Allison Williams e sua personagem Lucy Smith. Ela é um bom lembrete de que as companheiras de homens enrustidos sofrem tanto quanto eles. Toda a família é afetada pela repressão. A interdição de um amor causa a impossibilidade de Lucy viver o seu próprio romance.

São tantas vidas afetadas pelo preconceito. O que mais dói na minissérie é se dar conta que essa história representa tantas outras parecidas que foram enterradas na ilegalidade. A História oficial é masculina, branca, heteronormativa e colonizadora. Precisamos desenterrar tantas outras Histórias que nos pertencem.

Nota (0-10): 8

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