É a série brasileira do momento. Cangaço Novo, produção do Prime Video em parceria com O2 Filmes, entrou no Top 10 em 49 países do serviço de streaming. Criada por Mariana Bardan e Eduardo Melo e com direção de Fábio Mendonça e Aly Muritiba, a atração é um misto de crítica social, violência, cenas de tirar o fôlego, atuações potentes e o sertão nordestino como organismo vivo palpável para o público.
O história acompanha Ubaldo (Allan Souza Lima), figura que, fazendo as vezes de Jesus, ressuscita para o povo de Cratará, cidade fictícia localizada no Ceará. Igualmente criado por um pai adotivo, o homem expulso do Exército e demitido de um banco está em busca de dinheiro.
Inicialmente, conforme entrevista da equipe envolvida na produção da série, Ubaldo viria de Fortaleza, mas mudaram sua cidade de residência para São Paulo, no Sudeste. Obviamente não foi a intenção de quem sugeriu a mudança, já que queriam aumentar o contraste entre um ponto e outro, mas é uma troca ruim. Ficou a imagem do jovem desamparado que teve a graça de ser “civilizado” no Sudeste e que, ao retornar para o sertão, precisa ensinar essa tal civilidade para um povo nordestino bestializado.
O primeiro episódio, por sinal, é o com mais ruídos. Até mesmo a apresentação apressada de que o protagonista ainda mente ser militar, apesar de já ter sido demitido até mesmo do banco, coloca em dúvida o pacto de credulidade com o público. O roteiro poderia muito bem explorar esse lado de trabalhador de banco no segundo episódio, deixando no ar a dúvida se ele falara a verdade ou não ao revelar isso no fim do primeiro capítulo.
A animosidade enorme com que Ubaldo interage com os outros também parece passar do ponto. É ótimo que a relação principal de afeto da série seja entre ele e a irmã Dinorah (Alice Carvalho), mas algumas farpas não são tão orgânicas quanto as outras.
Por falar em Dinorah, vamos focar na estrela da produção. Alice Carvalho é um fenômeno em cena. Essa mulher porreta de boa, num mundo justo, ganharia o Emmy de melhor atriz. Ela consegue trazer toda a complexidade da sua personagem. É incrível a jornada de Dinorah num bando extremamente machista — e os roteiristas acertam muito na forma como a personagem é obrigada a lidar com isso.
Aliás, teria sido incrível se também tivessem adicionado um personagem queer, já que o mesmo grupo também é queerfóbico. Que formidável seria ver um homem gay que tem orgulho de dar o cu dando tiro por aí, matando a sangue-frio e gritando que é a Barbie do Cangaço? Seria uma figura tão emblemática quanto Dinorah, que se faz ser respeitada sem didatismo por colegas com mentalidade do tempo de Lampião.
Como podem ver, o clima em Cratará não é dos melhores. A violência está no cerne do funcionamento da sociedade e a crueza como é abordada é um trunfo. A série só flerta com o erro quando ser esforça muito, ali pelo quarto episódio, para imprimir uma imagem de mocinhos para aqueles que não são.
Se o Batman tem tendências fascistas, o bando de Ubaldo não será diferente só porque tem esse sotaque tão delicioso de se ouvir. Certo que os verdadeiros vilões são o prefeito e o seu pai, também político. Todavia, isso não muda o fato de que os protagonistas matam inocentes como matam moscas e são coniventes com crimes como estupro.
Getúlio Vargas foi um ditador que flertou com o nazismo e, ao mesmo tempo, trouxe melhorias para os trabalhadores brasileiros. Gangaço Novo acerta quando deixa o público decidir se Ubaldo, Dinorah, Dilvânia (Thainá Duarte) e Zeza (Marcelia Cartaxo) merecem absolvição pelos seus crimes — aqui, vale fazer um pequeno adendo do quanto Cartaxo e Duarte também foram felizes escolhas de elenco.
Nós não assistíamos Breaking Bad esperando que Walter White (Bryan Cranston) fosse a mais formosa das flores. A crueza da história era o atrativo. Essa oscilação entre perversidade e compaixão, entre estar certo e errado. Essa certeza de que fazia o possível para sobreviver.
Cangaço Novo é um prato cheio para quem busca adrenalina aliada com crítica social. Se ela não cair na pobreza narrativa de mocinhos e vilões, poderá crescer ainda mais em qualidade. Toda a complexidade que Game of Thrones não conseguiu dar à Daenerys (Emilia Clarke) em sua reta final, a produção brasileira pode dar à família Vaqueiro — por sinal, vale frisar que Amaro e o filho foram baseados em uma pessoa real.
O poder corrompe, não é mesmo? O que os cangaceiros seriam capazes de fazer para se manter no controle da prefeitura? Gostaria muito de saber.
Nota (0-10): 7
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