Vida de influenciadores sem influenciados não é fácil. Marco (Miss Benny) sabe bem disso. Já na vida adulta e ainda morando com a mãe, se refugia em meio ao glitter e às maquiagens para fugir das agruras de uma situação nada ideal. Felizmente, ao conhecer a ex-modelo e empresária Madolyn (Kim Cattrall), ganha uma oportunidade de emprego que mudará a sua vida — e dará início à trama de Glamorous, nova comédia da Netflix.
Preciso dar um grande spoiler antes de continuar o texto, pois é importante para nomear a protagonista corretamente. Marco, assim como a sua intérprete, é uma mulher trans. O assunto só é trazido nos minutos finais da temporada de dez episódios e comentarei melhor adiante.
Até então, Marco era vista e tratada como um jovem gay afeminado. Curiosamente, esse foi o maior motivo de eu querer assistir à série, já que a representação de gays muitas vezes se limita àqueles heteronormativos. Quem performa o gênero “de modo errado” costuma aparecer mais como coadjuvante e com escassas possibilidades românticas.
Latina e exuberantemente queer, Marco me fez logo lembrar do sobrinho de Betty (America Ferrera), Justin (Mark Indelicato). De fato, as semelhanças entre Glamorous e Ugly Betty vão além disso, são muitas. É quase como se estivéssemos diante de sua sucessora, sem a mesma qualidade narrativa.
Glamorous tem um roteiro realmente fraco, arcos duvidosos, algumas trapalhadas. Todavia, vale frisar que tem seu brilho próprio. É uma atração que não serve para quem busca algo robusto para assistir, mas é perfeita para quem quer espairecer e gosta do gênero, uma situação parecida com a primeira temporada de Emily in Paris — esta, por sinal, perdeu-se totalmente em seu segundo ano, muito por causa dos dramas amorosos.
A nova série da Netflix flertou com o mesmo problema. Confesso que não imaginava a permanência de Parker (Graham Parkhurst) durante a temporada toda. Ele e Marco não têm química. E não digo isso porque uma pessoa é heteronormativa e outra, feminina. Chad (Zane Phillips), que fez questão de frisar logo que é um “gay másculo”, tem tal química com Marco — ambos têm uma vibe caótica e infantilizada. Podia jurar que em determinado momento no meio da temporada, a série dispensaria Parker para Chad ocupar o seu espaço no triângulo amoroso que ainda conta com Ben (Michael Hsu Rosen), personagem querido, mas um tanto aguado.
Na questão sexual, a série ganha alguns pontos e perde outros. O diálogo em que Ben afirma que Marco assume a posição ativa na relação tem gosto agridoce. Ao mesmo tempo que é bom descontruir a visão de passividade compulsória de pessoas femininas, o tom do diálogo é quase o recorrente aplauso à posição ativa. Gente, não há problema algum em dar o cu — quem dera todos os homens dessem, talvez assim fossem menos amargurados.
Voltando à questão da transexualidade de Marco: dá a impressão de que ela não é devidamente construída ao longo dos episódios e creio saber o motivo. Em texto recente na Time, Miss Benny revela que não era a ideia original dos produtores e que ela trouxe a questão como forma a se adequar ao seu próprio processo de transição.
Fico muito feliz que a série e a Netflix tenham acatado o pedido de Miss Benny e não tenham a dispensado. Ao mesmo tempo, não parece haver um esforço para explorar o tema na primeira temporada. Dessa forma, ficou parecendo que todo mundo sabia que Marco era trans porque gostava de salto alto e maquiagem. Há pessoas que gostam de performar de modo considerado mais feminino sem necessariamente ter o desejo de ser mulher. Por vezes, sim, faz parte de um processo de transição, mas nem sempre. Não me parece que a atração tenha criado um problema. Entretanto, também não pareceu lidar da melhor forma com a situação.
De qualquer forma, espero muito que a produção seja renovada para uma segunda temporada e, agora sim, Marco, assim como Miss Benny, tenha chances de explorar todo um novo universo onde possa respirar livremente.
Nota (0-10): 5

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