Artigo: Fernanda Torres tem chances reais de chegar ao Oscar. Entenda

Todo o burburinho que se formou ao redor da estreia de Ainda estou aqui, drama brasileiro dirigido por Walter Salles, durante o Festival de Veneza, num agora longínquo e escaldante verão europeu, fez com que eu imediatamente comprasse o livro de Marcelo Rubens Paiva.

Apesar da força inegável da história, confesso que a obra me decepcionou. Há uma certa frustração no fato do fio narrativo ser muito picotado, a primeira parte com quase 100 páginas não precisar existir e Marcelo muitas vezes focar tanto em si e tornar Eunice Paiva, sua mãe, uma coadjuvante de sua própria história.

Todavia, o filme ganhou o prêmio de roteiro em Veneza — sinal de que a adaptação baseada em uma história real fez algo de correto.

De fato fez. Assim como o Brasil inteiro, corri para a sala de cinema mais próxima quando o filme entrou em cartaz aqui no país. Murilo Hauser e Heitor Lorega fizeram um ótimo trabalho em tirar todos os excessos e focar no que mais importa. Já Fernanda Torres, que encarna Eunice, é uma força da natureza, tão boa quanto todo mundo tem comentado.

Indicação certa ao Oscar, isso? Não — e se vier, não será exatamente só porque ela está exuberante em cena.

Uma corrida cheia de lobby

Por mais que Fernanda esteja excelente em cena, se ela voltasse da Itália e simplesmente seguisse sua vida, certamente seu nome ficaria no passado em um piscar de olhos.

Uma nomeação a qualquer categoria do Oscar, premiação voltada principalmente para os talentos locais de Hollywood, significa embarcar em uma campanha.

Você não espera reconhecimento, você corre atrás dele.

É isso que Walter Salles, Torres e Selton Melo têm feito, com suporte da Sony Pictures Classics, distribuidora da obra nos Estados Unidos.

Torres brinca que sua mãe, Fernanda Montenegro, também no filme Ainda estou aqui em uma versão mais velha de Eunice, foi abduzida quando concorreu à estatueta mais reconhecida do cinema mundial por Central do Brasil.

Quem acompanha Torres na redes, pode ver o empenho em fazer o filme ser visto por votantes da Academia. Essa exposição necessária está rendendo frutos, desde a entrevista para Vanity Fair, que a chamou de ícone global, até a foto postada pela página do Oscar com a atriz brasileira durante o Governors Awards, clique esse que já soma mais de 2,8 milhões de curtidas no Instagram.

Esse amor avassalador dos brasileiros até pode irritar muita gente — olá, Tyler James Williams de Todo mundo odeia o Chris, é de você mesmo que estou falando —, mas é fato que somos uma potência cultural na internet — não por menos que vencemos a guerra de memes contra Portugal, queremos nosso ouro de volta.

Por que vocês acham que, após tanta bravata, Elon Musk cedeu e cumpriu as ordens judiciais para colocar o Twitter novamente no ar no Brasil? Certamente não foi por amor ao Xandão. O homem mais rico do mundo, que já falou publicamente que daria um golpe de Estado em qualquer país que fosse contra os seus interesses, colocou o rabo entre as pernas porque sabe o quanto os brasileiros fazem falta na sua plataforma e isso gera impactos econômicos — tem também seus contratos da Starlink, mas vamos focar apenas na parte que diz respeito à rede do passarinho que ele matou.

Muitos artistas têm se rendido ao poder do fã brasileiro. Anitta, nossa maior popstar no momento, sempre soube capitalizar em cima do amor e da lealdade de fãs que vibram quando seus ídolos conquistam algo como se fosse uma vitória de todos eles. Nomes recentes que têm tirado uma casquinha do poder brasileiro são The Weeknd e The Offspring — Come to Brazil é uma frase já célebre.

Certamente essa loucura do povo brasileiro não é tudo, mas pode ajudar em uma campanha para o Oscar, que é, antes de mais nada, um negócio. Eles querem, por exemplo, Ariana Grande, estrela de Wicked, em sua cerimônia televisionada. Fernanda Torres demonstrar que traz consigo a torcida de dezenas de milhões não é nada mal.

Vale pontuar também que a narrativa de Fernanda filha ser indicada décadas depois da Fernanda mãe é muito atraente. Mãe e filha como as duas únicas brasileiras indicadas para atuação ao Oscar ajuda a construir uma história fora das telas que rende manchetes.

E isso é muito importante: estar na mídia. Quanto mais se fala sobre a obra, seus personagens e seus realizadores, mais exposição há para alavancar candidaturas.

Uma corrida injusta

Óbvio que ser indicada é uma coisa e vencer já é outra completamente diferente. A própria Torres já demonstrou ter consciência disso.

Quando falamos que a derrota de Montenegro para Gwyneth Paltrow é roubo não é por puro patriotismo. Em qualquer mundo justo, isso não aconteceria. Todo mundo sabe que a máquina de lobby do estuprador Harvey Weinstein trabalhou pesado.

Outro exemplo: se a premiação fosse apenas por talento, Emmanuelle Riva, dilacerante em Amour, nunca teria perdido a estatueta de melhor atriz para Jennifer Lawrence, queridinha de Hollywood à época.

A questão é tão complicada que, em quase 100 anos de premiação, o Oscar de melhor atriz foi só para duas performances estrangeiras: Sophia Loren por La ciociara e Marion Cotillard por La Vie En Rose — ambas as atrizes jovens e lindas quando receberam o prêmio, do jeito que Hollywood gosta.

Ou seja, a situação é difícil. Entretanto, vale ressaltar que a Academia mudou bastante nos últimos anos, está cada vez mais internacional. Tanto que de todas as nomeações que Ainda estou aqui tenta conquistar, consigo ver chances reais de chegar entre os cinco finalistas não apenas em melhor filme internacional, mas também melhor filme, atriz, diretor, roteiro e edição.

Bem verdade, eu gostaria que Salles não tivesse deixado pelo caminho qualquer cena de Torres mostrando toda a dor da personagem — vale lembrar que o próprio livro deixa nítido que Eunice chorava, sim, mas fazia isso escondida. A cena dos anos 1990 no filme no qual ela olha imagens do passado, após receber o certificado de óbito do marido, era a oportunidade perfeita para a personagem externar todo seu sofrimento, criando assim uma cena perfeita para Torres ganhar alguns votos de quem acha que atuar bem é sinônimo de atuar bastante.

Também gostaria que nos mesmos anos 1990 tivéssemos a oportunidade de ver um pouco mais da Eunice ativista, mostrando ao mundo o quando ela floresceu após tanta tragédia. O quanto ela transformou dor em luta.

Perfeito ou não, é inegável o poder do filme e o quanto ele é, após décadas de ausência, uma chance real do Brasil ser representado na maior premiação do cinema. Cabe a nós, público, torcer muito e ajudar nossa eterna Fátima a conquistar o mundo após trabalhar tanto na Djalma Noivas.

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Uma resposta para “Artigo: Fernanda Torres tem chances reais de chegar ao Oscar. Entenda”.

  1. […] O Temporada, site que faz parte do ecossistema da Insígnia, já em novembro de 2024 trouxe um artigo acreditando na indicação de Torres e explicando os motivos para isso. Um dos pontos elencados foi ela estar na mídia. Quanto mais se fala sobre a obra, seus personagens e seus realizadores, mais exposição há para alavancar candidaturas. Confira o artigo completo clicando aqui. […]

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